20 de set. de 2010

"um desserviço à Constituição e ao Brasil"

Do  jornal o estado 

Entidades reagem a ataques de Lula

Críticas do presidente à imprensa são ''desserviço à Constituição e ao Brasil'', diz OAB; ANJ e Abert também divulgam notas contra a fala

O presidente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Ophir Cavalcanti, definiu ontem como "um desserviço à Constituição e ao Brasil" as críticas feitas à imprensa pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no sábado, durante comício eleitoral de sua candidata, Dilma Rousseff, em Campinas. Além da OAB, várias outras entidades de defesa da liberdade de imprensa se manifestaram contra o discurso feito pelo presidente.
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A elite que Lula não suporta

jornal o estado opinião

- Nas encenações palanqueiras em que o presidente Lula invariavelmente se apresenta como o protagonista da obra de criação deste país maravilhoso em que hoje vivemos, o papel de antagonista está sempre reservado às "elites". Durante mais de 500 anos, as elites mantiveram o Brasil preso aos grilhões do subdesenvolvimento e da mais perversa injustiça social. Aí surgiu Lula, o intimorato, e em menos de oito anos tudo mudou. Simples assim.

Com essa retórica maniqueísta, sem o menor pudor Lula alimenta no eleitorado de baixa renda e pouca instrução - seu público-alvo prioritário - o sentimento difuso de que quem tem dinheiro e/ou estudo está do "outro lado", nas hostes inimigas. Mas a verdade é que o paladino dos desvalidos nutre hoje uma genuína ojeriza por uma, e apenas uma, categoria especial de elite: a intelectual, formada por pessoas que perdem tempo com leituras e que por isso se julgam no direito de avaliar criticamente o desempenho dos governantes. Por extensão, uma enorme ojeriza à imprensa. Com todas as demais elites Sua Excelência já resolveu seus problemas. Está com elas perfeitamente composto, afinado, associado, aliado e, pelo menos em outro caso específico, o das oligarquias dos grotões maranhenses, alagoenses, amapaenses e que tais, acumpliciado.
Até por mérito do próprio governo na condução da economia (nem sempre a imprensa ignora os acertos do poder público...), os ventos favoráveis que hoje, de modo geral, embalam o mundo dos negócios, muito especialmente os negócios financeiros, não permitem imaginar que o "poder econômico" considere Lula um inimigo ou uma ameaça e vice-versa. É claro que em público o jogo de cena é mantido, com ataques, sob medida para cada plateia, aos eternos inimigos do povo. Mas na intimidade o presidente se vangloria, em seus cada vez mais frequentes surtos apoteóticos, de que hoje o poder econômico, nacional e multinacional, está submisso à sua vontade. Não é, portanto, essa elite que tem em mente nas diatribes contra os malvados que conspiram contra sua obra redentora.
A revelação de seu verdadeiro alvo Lula oferece cada vez que abre a boca. Como no dia 18, em Juiz de Fora: "Essa gente não nos perdoa. Basta que você veja alguns órgãos e jornais do Brasil (...) Porque na verdade quem faz oposição neste país é determinado tipo de imprensa. Ah, como inventam coisa contra o Lula. Olha, se eu dependesse deles para ter 80% de aprovação neste país eu tinha zero. Porque 90% das coisas boas deste país não é mostrado (sic)."
Então é isto. Imprensa que fala mal do governo não presta, extrapola os limites da liberdade de informar. Não é mais do que um instrumento de dominação das elites.
Assim, movido por sua arraigada tendência ao autoritarismo messiânico que é a marca de sua trajetória na vida pública, Lula parece cada vez mais confortável na posição de dono de um esquema de poder que almeja perpetuar para alegria da companheirada. Um modelo populista, despolitizado, referendado pela aprovação popular a resultados econometricamente aferíveis, mas que despreza valores genuinamente democráticos de respeito à cidadania, coisa que só interessa à "zelite". Tudo isso convivendo com a prática mais deslavada do patrimonialismo, coronelismo, clientelismo, tráfico de influência, cartorialismo, aparelhamento e tudo o mais que Lula e seu PT combateram vigorosamente por pouco mais de 20 anos, para depois transformar em seu programa de governo. E em toda essa mistificação o repúdio às elites é a palavra de ordem e a imprensa, o grande bode expiatório.
O diagnóstico seguinte foi feito, com as habituais competência e sutileza, por um dos mais notórios fantasmas de Lula, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, em entrevista publicada no Estado de domingo: "Achei que (Lula) fosse mais inovador, capaz de deixar uma herança política democrática, mostrando que o sentimento popular, a incorporação da massa à política e a incorporação social podem conviver com a democracia, não pensar que isso só pode ser feito por caudilhos como Perón, Chávez, etc. (...) Mas Lula está a todo instante desprezando o componente democrático para ficar na posição de caudilho." Falou e disse.

Deu em O Globo

Lula e a visão autoritária da imprensa (Editorial)

É nos improvisos que o presidente Lula se deixa levar, fala o que não seria conveniente do ponto de vista político, mas transmite o que lhe vai no fundo da alma.
Inebriado por índices recordes de popularidade, nunca antes alcançados neste país, Lula tem radicalizado na autoindulgência, como se o apoio popular o colocasse acima de leis e limites institucionais.
São exemplos desse desvio as sucessivas vezes em que o presidente age como chefe de partido, numa deplorável mistura de papéis, porém bem ao estilo de um governo que, na ocupação da máquina burocrática, exercita ao extremo a confusão entre interesses privados e a esfera pública.
É nessa zona cinzenta que a grande família de Erenice Guerra se aboletou, e corporações sindicais sentam praça nos cofres do Tesouro, ao lado de movimentos ditos sociais que atuam em estado de semiclandestinidade, em parte financiados pelo contribuinte.
Á medida que se envolvia no projeto de eleger a sua desconhecida ministra Dilma Rousseff, enquanto mantinha e até elevava a popularidade, o presidente foi jogando às favas o equilíbrio.
Principal atração dos comícios de sua candidata, Lula radicaliza na insensatez. Pode-se dar desconto pelo inevitável aumento de temperatura característico das campanhas eleitorais, mas não é possível ser condescendente quando se invade de maneira desvairada o campo vital das liberdades democráticas.
Até porque o ataque feito por Lula à imprensa, num comício em Campinas, sábado, não é um acidente de rota, um fato isolado no seu governo de quase oito anos; tampouco seu partido, onde se destilam propostas formais para a “democratização da mídia”, o “controle social dos meios de comunicação”, eufemismos para designar a destruição da independência da imprensa profissional, assim como fazem os governos de Cristina Kirchner e Hugo Chávez, aliados preferenciais da diplomacia companheira no continente.
No sábado, Lula, como se tomado pelo espírito do Rei Sol, um Luis XIV tropicalizado, bradou: “Nós somos a opinião pública.”
Em meio a ataques a “alguns jornais e revistas que se comportam como se fossem um partido político (...)”, Lula, na verdade, externou toda a dificuldade que ele, auxiliares diretos e líderes petistas têm de entender o papel da imprensa numa sociedade aberta.
Há tempos emana do Planalto a visão de que o governo Lula acabou com os “formadores de opinião”, e agora se sabe que eles foram substituídos, segundo este contorcionismo intelectual, pelo presidente e seu grupo no poder.
Numa reedição de um “pai dos pobres” de figurino getulista, o presidente teria hipnotizado as massas, alimentadas por um assistencialismo bilionário, e por isso elas só reproduzirão a opinião do seu redentor.
Mais do que uma tosca engenharia de raciocínio, porém, esta percepção lulista da imprensa deriva de um entendimento autoritário da função dos meios de comunicação: segundo a vulgata ideológica dos intelectuais orgânicos do lulopetismo, a imprensa é um instrumento de manipulação da sociedade.
E, sendo assim, precisa estar subordinada ao partido e ao Estado, os quais, no imaginário desses militantes, se confundem.
É inconcebível para esses que a imprensa profissional — que precisa ser rentável para se manter independente, e o mais distante possível de verbas administradas pelos poderosos do momento — cumpra uma função pública, e disto têm consciência profissionais e acionistas das empresas de comunicação.
A visão maniqueísta lulopetista da imprensa leva a que se procure intrincadas conspirações por trás de reportagens de denúncia, um truque que também serve para jogar uma cortina de fumaça à frente de desvios éticos cometidos pela companheirada.
Foi assim que o mensalão se tornou produto de uma imprensa “golpista”, bem como a ação dos aloprados.
Denunciado por um aliado desgostoso, Roberto Jefferson, do PTB, o esquema de coleta e lavagem de dinheiro sujo para alimentar uma bancada parlamentar governista gerou um processo que tramita no Supremo Tribunal Federal, depois de aceita denúncia da Procuradoria Geral da República contra essa “organização criminosa”.
No escândalo da tentativa de compra de um dossiê falso contra o tucano José Serra, na campanha de 2006 para o governo de São Paulo, petistas proeminentes — os “aloprados”, nas palavras do próprio Lula — foram apanhados em flagrante delito.
Nada porém abala o discurso petista contra manobras “golpistas” da imprensa independente.
Mas não houve qualquer crítica quando, no primeiro governo FH, reportagem do GLOBO derrubou o então presidente dos Correios, Henrique Hargreaves, ao revelar que ele tinha um contrato com o Sebrae, do qual recebia sem trabalhar.
Não se ouviu, também, qualquer reclamação petista quando a “Folha de S.Paulo” relatou histórias de compra de votos de deputados federais a favor da emenda constitucional que permitiria a reeleição de Fernando Henrique Cardoso.
Ou na revelação feita pelo GLOBO de que o esquema do mensalão, antes de José Dirceu, Delúbio e Genoino, fora acionado pelo PSDB mineiro no financiamento da campanha frustrada de reeleição do governador Eduardo Azeredo, delito também a ser julgado no STF.
E nenhuma admoestação à imprensa partiu do PT na divulgação de cenas pornográficas de corrupção patrocinadas pelo DEM de Brasília.
Imprensa boa é imprensa chapa-branca, deduz-se.
Outra prova cabal de como o PT se equivoca sobre o jornalismo profissional foi dada por José Dirceu, cassado no escândalo do mensalão e considerado pelo Ministério Público o chefe da tal “organização criminosa”.
Considerado líder importante no partido, até visto como herói por ter se imolado pela causa petista, Dirceu demonstra continuar com bom trânsito em Brasília, e continua a pontificar.
Na semana passada, ao doutrinar sindicalistas petroleiros na Bahia, o ex-ministro da Casa Civil de Lula comemorou o fato de uma provável vitória da “companheira de armas” Dilma Rousseff facilitar a execução do “projeto político” do PT, difícil de ser aplicado com Lula, pois o presidente em contagem regressiva para voltar a São Bernardo é algumas vezes maior que o partido, explicou.
Do projeto, consta o de sempre: “democratização dos meios de comunicação” etc.
Além de considerar que a imprensa brasileira abusa do direito de informar — uma pérola do pensamento da esquerda autoritária —, Dirceu reclamou de uma suposta tentativa das redações de interferir na formação do futuro governo Dilma, algo digno de ficção.
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